É difícil ser o décimo homem mais
rico do mundo – com uma fortuna de US$ 29 bilhões – em um país como a França,
onde, por razões culturais, ter dinheiro é algo mal visto pela sociedade. Que o
diga Bernard Arnault, proprietário e presidente do grupo LVMH, líder mundial do
luxo. A revelação na imprensa de que ele havia pedido a nacionalidade belga,
supostamente para pagar menos impostos, provocou um enorme escândalo na França.
Ele foi acusado de “traição” e
“falta de patriotismo”, inclusive pelo governo francês. Um ministro chegou a
dizer que a fortuna do bilionário serviria para “equilibrar as contas do Seguro
Social, recapitalizar a Peugeot, salvar a ArcelorMittal no país, construir
estradas grátis e realizar tantos outros sonhos”.
O jornal “Libération” estampou na
capa uma fotomontagem de Arnault carregando uma mala, com o titulo “Cai fora,
rico imbecil”, uma alusão à célebre frase do ex-presidente Nicolas Sarkozy
(amigo íntimo de Arnault), “cai fora, pobre imbecil”, dita a um homem que havia
se recusado a apertar sua mão.
Diante de tanta polêmica, o
principal-executivo de LVMH foi obrigado a sair em silêncio e declarou em uma
entrevista ao jornal “Le Monde”, que renunciava ao pedido de nacionalidade
belga.
Arnault afirmou que seu objetivo
não era o de deixar de pagar impostos na França e se tornar um “exilado
fiscal”, mas sim “assegurar a perenidade e integridade do grupo LVMH no caso de
sua morte e de desacordo entre seus herdeiros”.
As acusações de exílio fiscal
acabaram trazendo à tona que Arnault, 64 anos, vem preparando nos últimos anos
sua sucessão patrimonial.
Por trás disso, está também,
claro, sua própria sucessão no comando da líder mundial do luxo, que reúne
cerca de 60 marcas, com faturamento de € 28,1 bilhão. A lista é tão vasta quanto o prestigio
de suas grifes: Louis Vuitton, Dior, Givenchy, Moët Chandon, Veuve Clicquot,
Bulgari, alem de outras atividades, como a rede de perfumarias Sephora e o
jornal econômico “Les Echos”.
Na pratica, o objetivo de Arnault
é garantir que o império de luxo construído por ele em mais de duas décadas – e
uma das maiores capitalizações da bolsa de Paris – não seja dispersado por seus
filhos após seu falecimento, pelo menos durante um certo período.
A holding familiar Arnault possui
46,4% do capital da LVMH. O empresário possui cinco filhos: dois de um primeiro
casamento, que já trabalham no grupo, e três, com idades entre 14 e 21 anos,
com a pianista canadense Hélène Mercier.
Para evitar o desmembramento do
grupo, o dono da LVMH criou em 2008 na Bélgica, por meio de uma montagem
jurídica complexa, uma fundação privada, a Protectinvest, ligada à holding
belga Pilinvest, que pertence à família Arnault.
A fundação tem triplo objetivo:
ela proíbe a venda, durante dez anos, das ações herdadas pelos filhos;
determina que eles devem votar de forma conjunta no conselho e também
escolherá, entre os filhos (e também, possivelmente, dois sobrinhos), quem
assumirá o comando da LVMH. A tarefa caberá a um comitê de “sábios”, liderado
pelo ex-ministro francês das Finanças, Thierry Breton, que preside a
Protectinvest.
Esse esquema foi criado para
evitar mudanças no capital da LVMH caso Arnault faleça nos próximos dez anos. A
montagem deverá se extinguir em dezembro de 2023, quando Jean, seu filho mais
novo terá 25 anos (e, teoricamente, maior maturidade para tomar decisões).
A criação dessa fundação na
Bélgica teria sido motivada pelo fato de que na França não existe esta
estrutura particular que “congela” o patrimônio dos herdeiros. Após a abertura
do testamento, não é possível impedir que eles disponham dos bens como
quiserem.
Arnault já transferiu grande
parte das ações da holding familiar para a fundação. Quase 50% desses títulos já
teriam sido doados aos seus filhos, segundo a imprensa francesa. Eles têm no
momento apenas a propriedade, sem direito de usufruto, que continua sendo
exercido pelo CEP (ou seja, dividendos e direitos de votos). Após o falecimento
de Arnault, seus herdeiros terão propriedade plena.
O bilionário renunciou à
nacionalidade belga, mas nem por isso as criticas na França terminaram.
Uma nova polêmica surgiu após revelações
de que ele teria pago ao Fisco francês um imposto de apenas 6,5% em vez de 45%
ao ceder as ações aos filhos, segundo o jornal “Le Canard Enchainé”, reputado
por furos jornalísticos que já derrubaram ministros e abalaram presidentes no
país.
O “desconto” teria sido possível graças
a abatimentos diversos, resultantes da doação em usufruto, que faz as ações perderam
seu valor, e também devido ao engajamento dos herdeiros de não venderem os títulos
por menos dois anos.
A redução fiscal teria sido
aprovada pelo ministro das Finanças da época, o mesmo Thierry Breton que
preside atualmente a fundação de Arnault na Bélgica.
Um porta-voz da LVMH afirmou que “os
números mencionados pelo ‘Canard Enchainé’ são falsos e a montagem descrita não
corresponde à realidade”.
Arnault também justificou que a
obtenção da nacionalidade belga teria permitido que a fundação se tornasse “inatacável”,
sugerindo a idéia de que as decisões tomadas na Bélgica não poderiam ser
contestadas judicialmente pelos herdeiros.
Se a transferência de seu patrimônio
parece estar em fase avançada, sua sucessão no comando da LVMH ainda está
totalmente aberta. Os dois mais cotados para sucedê-lo são os filhos de seu
primeiro casamento com a rica herdeira Anne Dewavrin.
Delphine, de 38 anos (praticamente
a idade de Arnault quando assumiu o comando de LVMH) é diretora-geral-adjunta
da Dior e formou-se na London School of Economics. O irmão Antoine, de 35 anos,
é diretor-geral da grife de sapatos masculinos Berluti e diretor de comunicação
da Louis Vuitton. Ele estudou em Insead, renomada faculdade francesa de
administração.
Ambos integram o conselho de
administração, mas não o comitê executivo do grupo. Delphine é considerada mais
discreta, enquanto Antoine, casado com a top model russa Natalia Vodianova e
famoso por suas façanhas como jogador de pôquer, aparece em revistas de
celebridades.
Os três filhos de seu segundo
casamento ainda são muito jovens: Alexandre, 21 anos, DJ conhecido como “double
A”, Frédéric, 18 e Jean 14. Sua mãe diz que eles pretendem voltar-se ao mundo
dos negócios.
Na lista de potenciais sucessores
de Arnault há ainda seus dois sobrinhos, Ludovic e Stéphanie, filhos de sua
irmã que faleceu de câncer.
“Entre meus cinco filhos e meus
dois sobrinhos, haverá um que se mostrará capaz de assumir o comando”, disse
Arnault em um documentário da TV francesa. Resta saber se eles manterão seu
império intacto e terão seu estilo implacável e de “conquistador” de empresas.